quarta-feira, 22 de outubro de 2008

bicho da própria cabeça

sentir-se fora do eixo. deslocado. incompatível. estranho. desentendido. amedrontado. enfim, só.

solidão é inevitável e nada tem de tristeza. o que ocorre, no geral, é desespero ao reconhecê-la. solidão tem silêncio altamente aproveitável. sussurra existência. promove eloqüência da mente e do corpo. a sinestesia se expõe vulneravelmente ao torpor. é o momento em que o ser é o arauto de si mesmo. e ouve-se muito. de ensurdecer. sim, é difícil e sutil, pois fragiliza. assusta e resulta em carência. mas é só encará-la, que logo surte degustação. o meio se torna mais atraente. o real mais alegórico. o que parecia pitoresco e distante, se aproxima do subjetivo e se materializa em certeza.

todo esse procedimento de autoanálise e confirmação serve somente para conforto da mente. é mera conversa para que a razão impiedosa se sinta convencida. tranquilizada. só assim, ela se desarma e permite que o ser espante os bichos encrostados pelo compromisso de existir. os fungos sociais. e pronto. aproxima-se vagarosamente da autonomia, vulga liberdade.

não é de se afastar eternamente todos os seres humanos, para viverem em paz e sós. solidão nada tem de isolamento físico. é apenas mais uma forma de autoconhecimento e integração dessa espécie à genuidade.



à natureza, não convém certeza.



--------------------------------------------------


não entendo
e mais, só.

essa coisa de diferença
de fuso difuso
de jeito de uso
de maneira crença.

afeto é o que me falta
preciso voar
cheirar outro mato
beijar outro asfalto
que chamam a voltar.

vou no espaço
largo
o tempo
trago
o momento
traço
e faço um laço.

pois solidão sem salto
é mentira narrada
ciranda rachada
sapato alto
sem ato.


10/03/2008 e 10/09/2008
(juntando momentos)

---------------------------------------

Muita gente
muito vazio
pouca gente
muito vazio

Pessoas que não preenchem o vazio
pessoas que enchem espaços
espaços que estão cheios de cosmos
pessoas que dependem dos cosmos
e de energia invisível no espaço
para se preencherem.

Pessoas que temem a solidão
acompanhada de cosmos,
temem o vazio próspero
e comemoram juntas
o vazio da própria existência.


31/01/2007

-------------------------------------------------

solidão é assunto de hoje
mas amanhã eu conto
pois quero ser feliz
dormindo tanto
e só.

22/10/2008


---------------------------------------------------
---------------------------------------------------



só?


segunda-feira, 1 de setembro de 2008

andanças

o bom é que aqui eu não devo explicações. um quase não-compromisso. a não ser com a própria vontade. um compromisso original e de cobrança sutil e impositiva. e isso, para divagar sobre sentimentos, que de nada adianta falar, se não senti-los. mais um discurso repetitivo. da sinceridade. espontaneidade. naturalidade. e, agora, como nunca, a ingenuidade. não a ingenuidade tola. alienada. mas a que permite desarmar preconceitos e perceber os momentos.

um viajante precisa ter sensibilidade. e precisa da ingenuidade mesclada com humildade para ter a segurança de afirmar: "o mundo sou eu". sendo assim, o mundo deve ainda se conhecer. pois se renova a cada interpretação e troca. o mundo ferve e não tem eu. ele é eu. e quantos eus forem necessários. o eu, tadinho, se enaltece demais nas suas limitações e não entende que ele só pode ser tudo. o ego é uma titica perto do mundo. e o ego não sou eu. é só uma punhetinha do eu. sondando esse eu, percebo sentimentos que o rondam e o constituem como natureza do universo. sentimento que é coisa que não se controla. e afeto é fragmentação de sentimento. finalmente, o ponto: afeto deve ser distribuído. compartilhado. somente assim, se perpetua no efêmero. e o viajante carrega isso para a vida cotidiana.

(sem entrar em questões religiosas. talvez sim, humanísticas. mas não aquilo de ajudar ao próximo, aquele blábláblá batido.)

nas relações que mantemos na nossa pequeninice, temos afeto. um mundinho onde procuramos massagear as afinidades. desafinidades, quando nos convém. precisamos daquele afeto do outro, como uma necessidade de vida. depositamos em poucas pessoas. assinamos tratados de confiança. fazemos política com afeto. e assim formamos uma coletividade vulnerável. uma cadeia de prazer limitada e dependente. por isso, viajar é estudar vida.


relato pós viagens:

[...e de um ano pra cá, pude respirar melhor os caminhos da mente. percebi melhor a grandeza da natureza. da integração do não-eu que produz esse eu. e, após o eu, o sentimento...

e, enfim, o afeto - e como ele se espalha pelas andanças da vida. nos mundos de eus alheios. estórias simples que não devem nada ao interlocutor. que são porque acontecem. e quando contadas, se esvaem como o afeto. pra isso, não há tempo preciso. é só momento.

gritei livre por felicidade. pude finalmente ouvi-la em resposta. abracei o vento e entorpeci meu corpo. o momento faz o afeto. faz as pessoas. faz o ar. e só com maturidade que pude ser ingênuo a ponto de fragmentar-me em certezas. e certezas que me mostraram muito. os inchaços. a efervescência. a vibração de todas as não-matérias latejantes...]


tudo soa tão subjetivo que se perde em tentativas de explicações superficiais. se perde porque não tem eixo.


é certeza em vapor.





---------------------------------------


dois clássicos para exemplificação:


Vinícius de Moraes:
"que seja eterno enquanto dure"

Baden Powell:
"na vida não se estuda pra aprender; é preciso viver"

Fernando Pessoa:

"navegar é preciso, viver não é preciso"

----------------------------------------


Quero dissolver no ar,
poluir o incerto,
experimentar ozônio,
vagar pelos hemisférios,
encontrar o nada esperto,
seco, a me esperar.

Quero fazer do meu ser
o mais desprezível notado,
despertar nos sonhos,
em forma de antologias,
o prazer encarcerado.

Depois de muito viajar,
espero assim voltar,
poento,
com presença em fragmento.

05/03/2007



----------------------------------------------------------
----------------------------------------------------------

domingo, 6 de julho de 2008

sentimentado

não falta amor
muito menos dor









falta sensibilidade.





segunda-feira, 12 de maio de 2008

descoberta

descobri um segredo sobre a vida. sobre uma fase que faz dela única. uma invenção. descobri a infância. descobri em foto velha. em lembrança fresca. descobri na própria infância que criar é desdescobrir. aqui, distante da infância, percebi que havia descoberto. e redescobri. em estouro de bolha. observando mariposas na luz da noite. pisando em amontoado de pedrinhas. manchando camisa branca com mãos de tinta. ralando o joelho no asfalto. etc com certezas. pois etc sem certezas não viram estórias. um contador há o que contar. um cérebro há de conhecer. e se expande sem haver espaço, com o obséquio de formar certezas. são assim educados os saberes. convictos de desculpas alheias. por pura falta de coerência existencial. a inocência é arma de força. e a natureza é inocente. não é de se ter pena das folhas. quiçá de um rio. fluente e esquivo. uma inocência de milhões de anos. uma infância eterna. que a eternidade humana não se esqueça de desaparecer. humilhada pelo tempo.

[pra que serve a criação? enfeita o tempo. não há de prestar para algo. manobra o antigo. liberdade do novo. da criança dispersa que usa chave de fenda para afrouxar as nuvens do teto. e as coloca debaixo dos braços. só para passear por entre formigueiros.]

pelo teto de casa: vaguei sem sujá-lo. chutei sem força a presilha da cortina. pulei as lâmpadas enroscadas na vida. deslizei com o gás solto da cozinha. desviei ao esbarrar nos varais da área. equilibrei-me no chuveiro goteiro do banheiro. e me via. no espelho na minha mão, virado pra cima. refletindo-me.
passei por essa experiência mais de uma vez sem vivê-la. eu era inocente.





não presta pra criança quem não inventa inocência.


idade não encaixa em criança.




--------------------------------------------------------------------------


Quis andar descalço
perdi meu chapéu
na coxia do tablado
esqueci o resto da fantasia
junto do sapato
comi biscoito de terra
com chocolate
pra pintar feliz
com giz de cera
derretido em fogo

pinguei no papel
a paisagem
de nuvem azul
céu branco
sol vermelho
árvores retas
casas tortas
bonecos palitos
e escutei o sinal
que dizia
que era hora de brincar
não mais trabalhar

corri pelo pátio
mudando de certeza
de pessoa
brinquei de espada
de pássaro
e de vencedor
mesmo sem fim
ouvi estórias até dormir
de repente no chão
cansado
sem hora de ir
pra acordar
no mesmo súbito
com fome
de outra vez.


25/02/2008


---------------------------------------------------------------------


O maior artista deste finito que chamamos de mundo
é a criança
pela tamanha capacidade
de absorver
fantasiar
e criar
sem o pudor da sabedoria.


30/07/2007
-----------------------------------------------------------------------




quinta-feira, 27 de março de 2008

demência inócua

título com palavra bonita. coisa chique de quem gosta de escrever. com a abundância de vocábulos. afinal, ser como é não tem mais graça. e é assim que sinto várias vezes. como um blog egoísta que fala de si, mesmo quando não de si próprio. que tem ouvidos surdos aos que lêem. quando lêem. e se lêem. é bom ter um bom ouvidor. mas ouvir também é muito prazeroso. ainda mais com descompromisso de ouvir. acontece de ouvir. é bonito ouvir o mar quebrar na areia. a noite faz sol na lua. é ótimo esquecer do escuro. os adultos temos muito medo de escuro. as crianças brincamos de nos esconder. e a luz é banal à fantasia. no escuro as coisas não têm cor. e o valor é de quem escolher. olha o medo de tudo perder. adulto esquece como se brinca. quando brinca, é mais idiota que jatobá. onde já se viu, medo de ficar onde está? e fugir não é a saída. no momento de fuga, todo lugar é escape, e não lugar de estar. e é insuportável essa sensação de lesão nuclear. de fragmento insólito. de desorientação à esquerda. todo tipo de conceito embaralha com coringas. é de surtar o esquecimento. uma certeza tão estática fora da bolha, que dentro dela parece mais seguro. dá pra inventar coisas que furam e fazem jorrar.


é meia-noite na rússia. e ciganos correm do frio. uma lenda e um lenço na cabeça. o destino vinga afora. postura indígena para com a solidão. trabalho árduo pra mestre. cacique que promete morrer na hora do vento. quando soprar de fora pra dentro. sabem da impossibilidade de se tornarem um rio sábio. fluente. a repetição se faz até ensurdecer. mas é o limite. fora isso, não há. parece óbvio, então, que a estrada é o caminho. por não tão óbvio que seja. ação libertária de ilusão. sem drogas. somente o ópio do sentimento demente no coração. e é preciso expandir a partir disso pra esbarrar no mundo alheio.


cavaleiros-guerreiros de uma europa medieval. nômades das américas. povos anscestrais da índia. marajás sobre elefantes africanos. linguas arranhadas sob túnicas. desconhecidos universais. são tudo noção de vida. posso me permitir a conhecer cada uma. me desconhecer por completo em vigia de madrugadas. ao redor, tem muita natureza. tem montanha e tuberculose. tem manhã e marimbondo. tem água e veneno.


outono é de flor bege. borboletas são engaioladas em hemisfério. poeira tem espaço nos poros.
a leveza continua pura...


e a dúvida gira com medo.



a dificuldade tá imensa. de juntar idéias. de saber qual o quê.
inócua?



----------------------------------------------------


Agora era hora;
pedra sobre aurora;
sob o chão,
quimera.


14/01/2008


------------------


Entupido inflamável,
desejo a grandeza
do céu estampado
leve e esvoaçante
de uma tarde fria de hoje
enquanto lá é noite.
Sinto a previsão
de daqui a pouco
quando o vento pinica
assoprando as estrelas à mim
dilatando meus poros saturados
a fim de vaporizar sentimentos
e sementes...
afinal o que faço aqui,
se não servindo de pasto
de tapete de asfalto?


12/01/2008


---------------------------------------------

sábado, 5 de janeiro de 2008

fragmento

Insistentemente, o telefone tocava, insistentemente, mente... Até parar; voltava a tocar. Eu não fazia a menor questão de atendê-lo, não conseguia perceber a importância daquele soar repetitivo, a relevância do ser do outro lado linha, talvez do mundo – vá passear, comer coxinha de frango estragada e ligar para um médico! Do quarto, podia sentir a vibração do eco do toque, uma matraca que pesava no ar, segunda-feira, onze horas da noite. Eu, nu, respingava sobre o lençol branco semi-novo, a mudança havia sido recente e tudo ainda cheirava a novo, mesmo as caixas velhas de papelão; uma vida nova com cheiro de mofo puro: a sensação da renovação. Estava ainda sem luz, mas o fogo é antecedente ao homem inteligente que inventou a vela, e a sombra assim se fazia na parede, volumosa, incerta, deformada pelo vento, fruto de estudo de uma antiga caverna – meu quarto era uma dessas, só que iluminada, estilo uga-uga. Mamãe tentara me ensinar a meditar antes de sua trágica morte morrida de velhice na semana passada, eu aprendi a olhar para a parede e só, acredito que, durante anos, meditei muito – meditava naquele instante, e por isso não poderia, nem conseguiria, responder àquela chamada, amada... O pernilongo me fazia companhia e zumbia em meus ouvidos – seria possível o silêncio absoluto? Deus se fazia presente, pois nunca vira dois, ou mais, desses insetos juntos e jamais conseguira matá-los – já nem tento mais, mesmo não sendo cristão, acho que é uma questão de respeito; que haja, então, uma relação de reciprocidade, não desejo a sua onipresença, acabei de me mudar! Tentava atingir um estágio de pureza alcançado somente no início do ciclo, um estado tão complexo atingido tão facilmente – por isso que a vida deve ser sem vida, ida... Dez minutos sem que o ruído parasse, feito martelo no prego, ego... Sequei, mas o tecido permanecia úmido. Conforme as idéias pairavam, quiçá perdidas, a cera era derretida – fontes esgotáveis são consumidas –, ambas reféns de um vento outorgado, que, no caso, ajudava o trabalho da mente e agravava a inconstância do fogo. Em poucos segundos de quietude era possível ouvir somente o nada, ou seja, um monte de coisas – um mantra é um nada –, propiciando um pensamento repleto de nada, a infância, o amanhã de repente, pente... O copo quebrou, me sentia novamente no Japão, compactado.

Levantei, pisava nos esparramados cacos de vidro; tirei o telefone do gancho. Em tom avermelhado, o rastro desenhava o caminho de volta ao recanto; nas paredes ao lado, esquecidas imagens de santos, pragas de outras rotinas – um passeio pela brisa ousada. Era dor, por isso era vermelho – o amor com dor, não sendo assim, não o seria. O trajeto de labirinto de concreto – até demais – se arrastava, junto aos meus pés não mais virgens – Oh Maria! –, ajoelhei-me e desdobrei-me, pois, deitei-me. O chão acalantava meus prazeres masoquistas, possuía-me frio e denso – como a brisa ousada –, o momento exato de lamber a poeira não menos insalubre que eu – um poço de osso dengoso, cinza podre. O que uma droga não era possível de arcar, meu manequim arcava, uma droga comparável à vida – uma alucinógena que, uma vez obtida, tendenciosa é perdida, depois sim esquecida. Escorria, de meu ouvido, um líquido com resquício de sabão, química juvenil; a alma livrava-se da mente amarelada, depois de frita, por pinocitose inversa. Em seguida, viria a clara, por fagocitose inversa, exalando o grandioso restante nada; as cores zombavam de mim, enquanto eu me derretia – esse é o perigo do fogo.

Mamãe, mamãe! Nessas horas é só mamãe, cabeça-mamãe, papai-mamãe, socorro-mamãe; morrera-mamãe! Bastava ter desviado o olhar para a direita e veria mamãe deitada à minha diagonal, esticando o olhar, observando a degradação de sua continuação – fagocitose completa – deixando-me ser uma nova era, indesejadamente, uma era que arranca todos os pêlos, que se suicida como gesto de morte chocante; enquanto a simplicidade suficiente seria comer, dormir e pensar – eis a questão. Não desviei o olhar, pois praticava o mimetismo indolor, entretanto bege; seria mais fácil assim pincelar o que desejasse ser – a renovação é uma bosta igual ao que a antecede.

Mamãe começava a chamar, o tempo insistia em conspirar, a vida permanecia a clamar, o telefone, fora do gancho, tornava a ruir, ir... Todos à mim. Grudei um ouvido de cada vez na parede do poço e lá os deixei, os olhos grudei em mim, a boca costurei, os sentidos expirei pelo nariz.

Em vão, mergulhei de cara no pensamento.



03/06/2007